Escrito nos anos 60, o breve poema “ameixas/ ame-as/ ou deixe-as”, de Paulo Leminski (1944-1989), ironizava o sinistro slogan do regime militar de então: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. A atualidade da paródia do poeta curitibano serviu de farol para o 14º Fórum das Letras, que acontece entre os dias 1º e 4 de novembro em Ouro Preto. “A gente sempre propôs a radicalidade da poesia e da literatura como antídoto para os males do presente”, afirma a escritora e professora Guiomar de Grammont, coordenadora-geral do evento.

O tema escolhido para este ano reforça as palavras de Guiomar. “Emergências: Literaturas e Outras Narrativas” surgiu como um batismo mais do que apropriado. “É preciso refletir sobre o que está acontecendo conosco. Quem somos, para onde vamos e o que queremos? Porque foi que mergulhamos nessa bolha de ódio e intolerância?”, questiona Guiomar, que vê a história do fórum ligada a um rumo exatamente oposto. “Nosso norte sempre foi a pluralidade e a diversidade, afinal de contas o outro somos nós mesmos”, define.

Financiamento

Idealizado em 2005, o fórum correu o risco de não acontecer em 2018, por conta da falta de verba e apoios financeiros. Sem o aporte da Lei Rouanet, que bancou a iniciativa em edições anteriores, os envolvidos tiveram que recorrer ao Sesc, além de parcerias com hotéis e restaurantes que contribuíram com serviços como hospedagens e refeições. “Mesmo diante das ameaças que já foram feitas de extinção de todos os mecanismos que são importantes para o incentivo à cultura, nós esperamos que eles continuem”, declara Guiomar.

Promovido pela Universidade Federal de Ouro Preto, o fórum encolheu para se adaptar às novas circunstâncias. Além de acontecer em menos dias, ele migrou para a Casa da Ópera de Ouro Preto, o mais antigo teatro das Américas em funcionamento. A mudança ocorreu em função das reformas no cinema da universidade federal da cidade. “Vai ser uma versão mais intimista, acolhedora, até pelo contato mais próximo que estabelecemos com a poesia”, informa Guiomar, que aproveita a deixa para exaltar a programação do evento.

Conexões

Vencedores do prêmio Jabuti, Milton Hatoum e Conceição Evaristo são os nomes mais conhecidos pelo grande público, que ainda terá a oportunidade de apreciar conversas, palestras e debates com Maria Esther Maciel, Guilherme Wisnik, Márcio Seligmann-Silva e dos grupos Mambembe e Família de Rua. Para completar, haverá diversão e conhecimento para o público infantil, no anexo Fórum das Letrinhas. Tudo de graça. “Para a gente é fundamental o o do público ser gratuito, nunca pensamos em alterar isso. Esse conceito de área vip, cadeiras reservadas, aqui não existe. Todo mundo que entra e participa é importante”, afiança a entrevistada.

Outro orgulho é o intercâmbio com autores de línguas portuguesa e africana, formadoras da identidade nacional. Esse ano a representante é Isabel Lucas, escritora e jornalista portuguesa que publicou pela Companhia das Letras o livro “Viagem ao Sonho Americano” (2018). “Esse é outro eixo forte do fórum, porque diz sobre o pensamento de uma diversidade étnica, de gênero, dos povos e culturas que habitam o Brasil. Agora isso se faz mais necessário do que nunca”, defende Guiomar.

 

Exposição vai destacar poetas

Como de praxe, o Fórum das Letras de Ouro Preto deste ano presta homenagens a autores conceituados da lírica nacional. Os escolhidos para a edição 2018 foram dois poetas: Paulo Leminski e Guilherme Mansur. Nascido em Ouro Preto e reconhecido também pela atividade como tipógrafo, Mansur foi responsável por conceber uma exposição que une sua obra à de Leminski. Nada que ele já não tivesse efetivamente experimentado na “vida real”.

“Conheci o Leminski no início dos anos 80, quando fui até Curitiba e o entrevistei para a revista ‘Saco de Poesia’, que eu editava na época”, relembra Mansur. O título da exposição, “Silêncio Lascado”, foi retirado de um poema do mineiro: “pedra polida/ palavra lida/ silêncio lascado”. Além dele, foram selecionados textos de Leminski escritos entre 1962 e 1980, e do próprio Mansur, do período compreendido entre 1976 e 1989, ano da morte do curitibano. “São poemas concisos, curtos, com um pé no humor e outro no rigor”, avalia Mansur.

Feira Literária Betim

Realizada pelo Instituto Ramacrisna e pela prefeitura, Betim recebe a sua primeira feira literária, que tem início nesta quarta-feira (24), a partir das 8h. O cantor e compositor Zeca Baleiro, que lançou em 2014 o livro “A Rede Idiota (2014)”, participa a partir das 18h30.

O evento acontece no shopping Monte Carmo.

As homenagens são para Conceição Evaristo e Walter Lara.